segunda-feira, 2 de agosto de 2010

MEU PAI

Somos cinco filhos, eu a mais velha, Fernanda, Rogério, Fabio e a caçulinha, Fabiana. Nossos pais nos criaram dentro de uma disciplina relativamente rígida, porém com muito amor. Não sei como meu pai conseguiu investir tanto em nós. Estudamos em escolas e faculdades particulares, moramos sempre em boas casas, nos vestíamos bem, papai tinha carro e casa própria.
Excelente professor da Língua Portuguesa criava músicas para nos ensinar, devemos muito a ele.
Era muito inteligente, mas tinha um gênio terrível.
Completamente apaixonado por minha mãe, fazia todas as vontades dela, mas tinha um ciúme doentio.
Aposentou-se muito cedo, com apenas 56 anos e adorava não fazer nada. Como papai dizia, ser bancário é uma escolha, não profissão. Ele detestava trabalhar no banco e a aposentadoria parecia ser o prêmio por tantos anos de infelicidade profissional. Minha mãe costumava brincar que marido aposentado é igual a edredom no verão, ocupa um espaço danado e não se tem onde guardar.
Aos poucos foi se sentindo inútil, sem ter o que fazer e o que é pior, sem vontade de fazer nada. Não se sentia feliz e as doenças começaram a aparecer. Primeiro os rins deixaram de funcionar, teve que fazer hemodiálise por quatro anos e seu corpo físico começou a decair. Foi então tomada uma decisão radical, ele iria fazer o transplante e o doador compatível foi minha mãe.
Achamos que ele iria se sentir “o máximo” tendo um pedaço da amada dentro dele. Mas ocorreu justamente o contrário. Ele ficou amargo, com raiva, parecia que a vida estava sendo injusta com ele. O transplante foi em outubro, em janeiro minha mãe completou 60 anos e, pela primeira vez em tantos anos de vida conjugal, ele fez questão de não lhe dar presente e sequer os parabéns.
Ninguém entendeu, afinal, ele devia sua vida e a liberdade da máquina a ela.
Começou então o processo de decadência física e emocional. Logo apareceu um câncer no couro cabeludo, cirurgias, outros problemas familiares contribuíram para o processo, principalmente a suspeita de câncer linfático na Fabiana e a morte da Carolina, sua neta, filha da Fernanda, que tinha pouco menos de três anos e que faleceu um dia antes de completar um ano do transplante.
Papai teve um Acidente Vascular Cerebral no dia 11 de junho de 2008. Dias antes ele e mamãe haviam tido uma briga feia e falavam até em se separar. Ficou em coma profundo durante 43 dias. No dia do aniversário da Luísa, sua primeira neta, contei-lhe que ela havia passado na prova da OAB, com a nota máxima. Ele abriu um sorriso, presenciado pela neurologista e começou a voltar do coma, saiu do CTI, foi para o quarto e tivemos a oportunidade de nos aproximar dele, pois quando ele voltou do coma, tinha tanto amor no olhar que toda e qualquer mágoa se dissipou. Lógico que ele e mamãe não se separaram até ele partir para o outro plano. Mamãe cuidou dele como a esposa dedicada e amorosa e ele partiu em paz, sentindo-se amado, como sempre foi e nunca soube.
Dedico este blog ao meu pai que apoiou meu sonho, segurou a falta de grana, me ensinou a escrever e que, apesar de não estar presente entre nós, está eternizado no Centro de Reabilitação “Arcesio Francisco de Oliveira Villela” na Escola Flor Amarela.

3 comentários:

  1. Teu pai era uma figura, Renata. Lembro que no início da faculdade eu comprei um livro que era o Manual de Redação e Estilo do Estadão e não sei porque cargas dágua mostrei pra ele, que de imediato me pediu emprestado. Eu, claro, emprestei. Anos mais tarde, qdo tomei coragem de pedir meu livro de volta, teu pai virou pra mim com aquela cara de mau que só ele sabia fazer e falou: "vc tem certeza que quer seu livro de volta?". Eu, muito do sem graça, disse que podia ficar mais um tempo com ele. Resultado: nunca mais vi meu livro! Mas esse era o seu Arcésio! Qquer dia eu posto no meu blog a história da fatídica foto dele ao lado do Marcos Palmeira com o cachorro a lhe cafungar o saco! Hehehehehe!

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  2. Papai era único em quase tudo. Tinha humores oscilantes, e muitas, muitas histórias pra contar. Uma delas vou guardar pra botar no meu blog pois merece. Como era público, minha cara metade foi e nos deixou saudade e uma vontade enorme de estarmos sempre relembrando fatos onde ele estava presente. Nosso pai, meu pai, meu amigo, meu namorado, meu parceiro, meu sócio, meu fiel escudeiro faz falta...

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  3. Poderia passar horas falando do Arcesinho, afinal mais parecido fisicamente com ele do que eu não há...a não ser quando a Fernanda ri e pisca o olho q me causa um certo arrepio por achar que meu pai "baixou" ali na minha frente!! Amanhã é aniversário dele. Engraçado, passei alguns de seus aniversários em branco, sendo lembrado pela mamãe para dar-lhe os parabéns e agora q ele se foi, parece que sinto até o "inferno astral" 15 dias antes do dia 28. O meu "velho DNA" faz falta...

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