quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

HISTÓRIA PARA ASHOKA

1991. Saio do Rio de Janeiro e venho me aventurar no interior de Minas, como uma sonhadora, em busca da concretização de meus ideais.
Formada em Educação Especial pela PUC RJ, decido investir meus conhecimentos em São Vicente de Minas, terra natal de meu pai.
Tarefa nada fácil: sair da Cidade Maravilhosa e viver em uma cidadezinha de apenas cinco mil habitantes; conviver com pessoas de mentalidade interiorana, sendo mãe solteira e carioca.
Mas tinha que concretizar meu sonho. Consegui junto ao prefeito municipal o empréstimo do Prédio da Creche, que devido à extinção da LBA e da inexistência de um órgão substituto, estava sem verba para funcionamento. Precisávamos de um nome. Foi quando Bebeto, um de nossos primeiros alunos, com deficiência intelectual, decide que deveria se chamar Globo Azul - “porque a Terra é azul e nela há lugar para todo mundo”.
Quando vivia no Rio, trabalhava com Marlene Morgado, fellow da Ashoka, com o projeto Solazer, o Clube dos Excepcionais. Marlene me ensinou muito além da prática pedagógica. Ensinou-me a ter garra, a não desistir e que existia a Ashoka, que investia em pessoas com perfil de empreendedor social. Ela me indicou e eu corri atrás.
No final de 1991 recebo a visita de Marta Gil, fellow de São Paulo, que veio conhecer nosso projeto, que já havia deixado de ser um embrião e começava a engatinhar. Achei-a o máximo. Uma mulher culta, inteligente, mas acima de tudo humana. Identificamos-nos e passei pela segunda etapa.
Em 1992, recebemos ajuda de uma família italiana, através do empresário Vittorio Medioli, que acreditou e investiu no projeto. Cinqüenta mil dólares! Única exigência, que mudássemos o nome para Flor Amarela, em homenagem à sua sobrinha, Madalena Medioli, menina italiana, que em férias no Brasil, morreu afogada e foi encontrada num canteiro de flores amarelas. Segundo ele, Madalena havia se sensibilizado com a injustiça social no Brasil, principalmente com as crianças de rua e seu pai, para superar a dor da perda de filha, decidiu investir esse valor em uma pessoa com um projeto social, que estivesse no início, mas em quem se percebia o desejo de crescer. Brinco que mudaria o nome até para “luz vermelha”, desde que recebêssemos a quantia que possibilitaria a reforma do prédio e investimentos para nossa existência. Nessa época, já havíamos nos transferido para um prédio do Estado, antigo grupo escolar, que estava abandonado há 16 anos, ou seja, em situação precária.
Em 1992, grávida do meu segundo filho, tendo que ficar em repouso, devido a um sério problema de coluna, com o prédio em obras e afastada da escola, meus pais assumiram o comando do projeto, sou chamada para a entrevista com o famoso Bill (Bill Drayton, presidente da Ashoka). No oitavo mês de gravidez, em uma pequena sala de um prédio na Glória, um dia de calor carioca, sem falar inglês e Bill não falando português, oito horas de entrevista, um sanduíche de almoço enquanto Bill comia pipocas sem parar, consigo passar por mais uma etapa.
Meses depois, com meu filho recém-nascido, iria passar pela última entrevista, com Maneto, fellow de São Paulo. Não entendia o porquê de tanta conversa, mas estava disposta a ir até o fim. Calor de agosto no Rio de Janeiro, Maneto se atrasa mais de duas horas. Eu estava amamentando e argumento que não poderia me demorar e se poderíamos nos encontrar em outra hora. Ele responde que será uma conversa rápida, porém eu mal conseguia responder às suas perguntas, enquanto meu seio ia aumentando rapidamente. Alguns dias depois fico sabendo que não seria aceita pela Ashoka, pois não havia me saído bem na última entrevista. Ao invés de me conformar e chorar, indignada, enviei uma carta para o escritório no Rio, desabafando e me dizendo injustiçada. Falar em carta soa tão démodé, mas naquela época não existia a internet (só fiquei sabendo o que era e-mail anos depois em uma capacitação da Ashoka).
Alguns meses após minha carta, sou convidada para a seleção de 1993 e, finalmente, aceita.
A bolsa de cerca de 700 dólares mensais, por dois anos, seria a minha salvação. Agora teria como me manter a frente da Flor Amarela.
Isso se a política do município não tivesse mudado e o prefeito que assumiu não tivesse interesse em acabar com nosso projeto. Todo o recurso recebido acabou sendo destinado para compra de alimentos e materiais necessários para escola.
Ainda consegui ampliar a bolsa por mais um ano, mas em 1996 já não podia contar com esse recurso e nenhum outro.
Tentei fechar as portas, apesar da dor de deixar “meus meninos” sem escola. Pensei em voltar para o Rio e tentar conseguir um emprego, mas abandonar o projeto doía tanto quanto cuidar de um filho doente.
Um dia chego à escola para conversar com os profissionais, alguns com salários atrasados há seis meses, para decidirmos como iríamos agir para fechar as portas. Naquela época eu entregava os alunos com dificuldades de locomoção no meu corcelzinho 74, comprado com recursos da Ashoka. Quando retornei para a reunião encontrei uma faixa com os seguintes dizeres: “não pense que a vitória está perdida, se é de batalhas que se vive a vida”, ideia de minha mãe e dos malucos que trabalhavam para mim e que aceitavam ficar sem salário, mas não a idéia de abandonar o que antes era apenas o meu sonho.
Naquele momento, reuni todas as minhas forças e me uni aos Dom Quixotes para lutar contra os moinhos de vento.
Em 1999 nossas dívidas somavam cerca de 40 mil reais. Já não tinha mais o corcel, estávamos cansados de lutar e agora já não dava mais para continuar. Foi quando uma amiga intercedeu por nós e conseguiu sensibilizar o jornalista Pedro Bial que fez uma bela matéria para o programa Fantástico, do qual era apresentador. Oito minutos no programa assistido por 40 milhões de espectadores e mais dois domingos seguidos em quadros como o “estamos de olho” e “balanço do mês” me transformaram em celebridade. De repente todos os problemas do mundo foram embora. Tínhamos recursos suficientes não apenas para quitar nossas dívidas, mas também para nosso crescimento.
Foram anos de exposição na mídia, de apoio de artistas reconhecidos nacionalmente, de investimento no projeto. Mas também de incompreensão e de injustiças que me levaram a um grau de stress tão grande que contraí uma doença provocada pela bactéria escherichia coli que quase me matou. Não morri e como dizia Nietzsche, “o que não me mata, me fortalece”.
Fortalecida, poderei festejar os 20 anos de existência da concretização de meu sonho. A Flor Amarela é, hoje, uma instituição estruturada, com parcerias fortes e, como dizia um ex-prefeito, “antes a Flor Amarela dependia do poder público, hoje é o poder público quem depende da Flor Amarela”.
Em 2010 recebi mais um presente da Ashoka. Fomos indicados para o Projeto Acolher do Movimento Natura e ganhamos um vídeo belíssimo, que mostra a alegria existente em nosso trabalho.
Analisando os últimos 20 anos, posso afirmar que se não fosse o apoio da Ashoka, os cursos de capacitação, a troca com os fellows, não chegaria até aqui. Valeu a pena brigar para fazer parte.
Vale a pena conhecer: www.ahoka.org.br