Em 1990, deixei minha terra natal o Rio de Janeiro e me mudei para São Vicente de Minas, pequena cidade ao sul das Gerais. Diante do preconceito que sofri, por ser carioca e mãe solteira, no interior de Minas Gerais, e, para que a realização de meu sonho não se transformasse em pesadelo, fiz a seguinte apresentação à comunidade:
“Muitos me conhecem como "Renata do Rio", "Loira", "Filha do Arcesinho", mas poucos sabem quem sou realmente.
Na verdade não sou apenas a Renata boêmia, seresteira, alegre, animada, que se mete em todos os acontecimentos da cidade, mesmo sem ser chamada. Existe um lado meu, desconhecido da população de São Vicente de Minas, que talvez vocês devam conhecer.
Nascida aos 19 de fevereiro sou regida pelo signo de aquário, causa talvez da minha inquietação e tendência ao novo, ao correr riscos e desvendar o desconhecido.
Nunca soube conviver com o preconceito, e desde menina já sabia que uma das minhas missões na terra seria quebrar todo e qualquer tipo de discriminação. Criança ainda brincava e defendia os "fracos e oprimidos" me sentindo, quem sabe, a "super-pateta".
Fui crescendo e essa tendência a super-herói foi se desenvolvendo e tomando outros rumos.
Foi quando decidi fazer faculdade e optei pela educação especial. Minha intenção era trabalhar com crianças portadoras de deficiências.
No meio do caminho, mudei o curso do meu destino. Desfiz um noivado, me apaixonei por um artista, engravidei, tranquei a faculdade e fui ser mãe solteira.
Foi aí que pude sentir pela primeira vez o preconceito na "carne".
Aos 19 anos, sofrendo a perda de pessoas tão queridas como meu avô e minha madrinha, fui descobrir que a criança que eu carregava no ventre não deveria ser motivo de orgulho e felicidade, mas de vergonha e humilhação.
Afinal, se eu não era casada e nem queria me casar - só podia ser louca.
Foi quando passei de heroína a vítima, aquela menina que brigava contra qualquer tipo de discriminação, não podia lutar contra o preconceito imposto por uma sociedade de valores discutíveis.
Porém, alguma coisa dentro de mim ainda se remexia e incomodava. E não me deixaria quieta.
Graças aos céus, estava cercada de pessoas lindas, que me davam as mãos sempre que eu caía.
Aquela coisa remexendo, incomodando... Custou-me a perceber que era o que me fazia ser mãe. Aquela "coisinha" que me falava ao ouvido, não era minha consciência, mas minha filha.
Luísa nasceu! E com ela no colo fui reaprendendo a lutar. Voltei a trabalhar e quando ela já estava com quatro anos retomei os meus estudos.
Com Luísa aprendi a ser mãe.
Comigo aprendi a ser mulher e que ser mulher é ser forte.
Retomei minha profissão. Nesses últimos anos trabalhei com deficientes físicos, mentais, paralisados cerebrais, deficientes visuais e auditivos, com autistas e psicóticos. Trabalhei também com meninos de rua e cheguei a escrever um livro sobre eles, que futuramente pretendo publicar. Dei entrevistas em rádio e televisão, falando sobre o que é especial na educação.
Já andei por tantos caminhos e já vivi tantas coisas, que hoje vejo que o preconceito e discriminação estão em cada um de nós, e cabe a nós quebrá-los para que possamos viver numa sociedade mais justa e humana.
Hoje posso afirmar que
"Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino.
"Louco" é quem não procura ser feliz".
"Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria.
"Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão.
"Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia.
"Paralítico" é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda.
"Diabético" é quem não consegue ser doce.
"Anão" é quem não sabe deixar o amor crescer.
E "Miserável" somos todos que não conseguimos falar com Deus.”
MARIO QUINTANA
Em 2001 recebo um folder do Senado Federal com a propaganda da Semana Nacional de Valorização da Pessoa com Deficiência. A apresentação tem o texto “DEFICIÊNCIAS de Mario Quintana”. Fico surpresa ao constatar que é o final da minha apresentação. Alguém tirou o texto do site www.floramarela.org.br e o atribuiu ao Mario Quintana.
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